segunda-feira, 13 de março de 2017

Falsa semelhança


1. Num debate televisivo há dias sobre o exercício do atual mandato presidencial, um dos participantes afirmou que o nosso sistema de governo governo é muito diferente da França, apesar de a nossa Constituição ser "igual à francesa" quanto aos poderes presidenciais.
Ora, sendo óbvia a diferença de funcionamento dos dois sistemas de governo, não é verdadeira a premissa de que as duas constituições são idênticas. Muito pelo contrário.
Em França, na interpretação prevalecente da Constituição, o Presidente da República tem, entre outros, quatro poderes decisivos que não tem em Portugal: (i) preside por direito próprio ao Conselho de Ministros e dirige as respetivas reuniões, o que lhe permiti estabelecer a agenda governativa e influenciar decisivamente a política governamental; (ii)  dirige a política de defesa e a politica externa, o que inclui a política europeia, que hoje é decisiva em qualquer Estado-membro da UE, sendo por isso que é o PR, e não o primeiro-ministro, que representa o país no Conselho Europeu e no G20; (iii) nomeia todos os cargos civis e militares, salvo delegação; (iv) tem poderes próprios excecionais, à margem do Governo e do Parlamento, em situação de crise.
Portanto, a referida tese da identidade constitucional entre a França e Portugal não tem fundamento.

2. Em França, o PR é uma espécie de chairman do Governo, sendo o primeiro-ministro o CEO, e mesmo aí com a importante ressalva dos poderes presidenciais na área de defesa e das relações externas.
Não admira, portanto, que o PR seja percecionado como o verdadeiro chefe do Governo e que as eleições presidenciais sejam determinantes quanto às opções políticas do país. Quando excecionalmente a maioria parlamentar não coincide com a "maioria presidencial" (o que gera uma "coabitação" forçada do Eliseu com Matignon), o PR não descansa enquanto não encontra uma oportunidade de convocar eleições legislativas para alinhar a primeira com a segunda.
Se a França é um genuíno sistema semipresidencialista (por vezes, hiperpresidencialista), em que o Presidente é o primeiro titular da função governamental, que compartilha com o primeiro-ministro, tal não se passa em Portugal, por força do diferente enquadramento constitucional, onde o PR não faz parte da função governativa nem o Governo depende politicamente do PR.